Devaneios de Eugènie

Sim, a noite estava apenas começando, mas ao mesmo tempo em que eu precisava pensar no que fazer para arrumar outro informante e, sobretudo fazer meus negócios andarem, aquele maldito tinha me feito voltar aquele passado, onde a única coisa que eu queria era esquecer, mas esquecer esse fato era negar e renegar as minhas reais origens. Da realeza a uma morta viva. Grande mudança. Era assim que me sentia antes de ser quem eu era, ele, tão somente ele, era quem me fazia ser diferente e foi outro que realmente me transformou. Por instantes as cenas voltam a minha mente...era um filme.

 Outono, 1425.

O relógio se arrastava!

Estava quase na hora dele vir a minha casa e os minutos pareciam eternos. Sentada em meu toucador, sonhava acordada. Aquela seria a grande noite. Estava perdidamente apaixonada. Ele era magnífico, educado, bem humorado e não se importava com a minha maneira de ser, pois para a época, eu não era uma moca muito adequada aos costumes. Gostava de ler, de dançar, interessava-me por tudo que fosse novo e, sobretudo, proibido.
Horas e horas, sentávamos em baixo de uma frondosa arvore e ficávamos até o entardecer lendo e nos amando, nos amando... Lendo!
Da pureza dos sonetos a mais secreta caricia. Meu coração estava aos pulos, havíamos decidido falar com nossos pais primeiro para não comprometer o negocio dos dois, que há muito tinham uma sociedade. Olhava-me no espelho e sentia-me a mais bela entre todas.
Uma voz grave e metálica me repetia isso no intimo de meus pensamentos. De forma inexplicável, aquilo não me assustava, era como se ele, ela, a voz, me conhecesse e já houvesse me dito algo semelhante. Como me sentia mesmo a mais bela, não dava importância a devaneios e pensava somente no meu ego inchado de tantos elogios.
Tudo parecia normal até que ele me convida pra tomar ar fresco nos jardins do casarão, enquanto nossa família conversava, foi ai que ele declarou-se, mas não como eu imaginava. Senti que o mundo rodava aos meus pés e se não fosse um banco ao meu lado, teria caído com a avalanche de palavras que ele despejava. Aquilo me alucinava. Como? Ele dizia-se apaixonado por outra? Queria casar-se e sair de lá? Mas e tudo que me prometera? E suas juras de amor... Tudo mentira.
Sem mesmo terminar de ouvi-lo, corri. Nem sei quanto tempo se passou até que eu parasse de correr, e chegar à mesma arvore que por tardes e tardes, fora testemunha de minha derrocada. As minhas horas de amor intenso tornaram-se horas de pura desgraça e amargor. Chorei até cansar meus pulmões e quase secar os olhos.
Ali perto, uma figura que há muito me acompanhava, sem ao menos que eu tomasse conhecimento de sua presença, olhava-me. Brincava com um pequeno ramo nas mãos e um misto de tristeza e satisfação estampava seus olhos. Foi quando o vi pela primeira vez. Belos olhos amendoados, uma pele morena e cabelos negros que lhe caiam nos ombros. Seus olhos às vezes possuíam um colorido que eu não conseguia entender. Um tom amarelado, hipnótico. Sua voz era melódica, calma. Igual a que eu ouvira em meus devaneios. Seus lábios não se moviam, mas eu lhe escutava nitidamente. Pisquei, e então ele estava ao meu lado.

-Não tema.

Ele dizia enlaçando minha cintura, acariciando o meu cabelo solto. Enxugava minhas lágrimas suavemente com o polegar, enquanto sussurrava em meus ouvidos:

  -Teme a morte criança?

Apenas balancei a cabeça dizendo que não. Não sei se estava hipnotizada ou se depois da decepção, nada mais eu temia mesmo. Ele sorriu e me beijou docemente os lábios e murmurava entre um beijo e outro palavras que me entravam nos ouvidos como uma  melodia. Então ele sorriu e disse:

- Mas eu não lhe darei a morte. Dar-te-ei a vida eterna... Minha Eugènie. Serás bem mais feliz.

 E dito isso, calou-me com um beijo entorpecedor. Todo meu corpo tremeu ao seu toque sutil e dolorido até que eu perdi os sentidos. Acordei muito tempo depois, com um gosto amargo na boca e com o olhar sensível à luz que entrava pela minha janela.
As primeiras de sucessivas mudanças. Nunca mais vi meus pais e nem tampouco àquele que me despedaçou.
E assim, eu vivi por muito tempo com o meu protetor. Fui boa aluna. Companheira e amante. Aprendi a ser fria, calculista, tirando de todos os que atravessassem meu caminho tudo que eu quis e o que quero. E hoje para mim, viver pela noite , me divertindo, e o melhor, alimentando-me da ignorância dos desavisados.
Assim que eu mesma acabei por me rotular, o próprio diabo disfarçado. 

-Sangue por favor! - o barman me olha horrorizado, sorrio debochada. - Mon dieu, bourbon mesmo 

2 comentários:

Felipe. disse...

Oi, Robs, tudo bem?
Estava sem internet, não pude passar por aqui esses dias.
Muito obrigado por ter divulgado o conto, viu? Fico contente que esteja gostando.
Você diz estar adorando a Dora e eu agora devo dizer que adorei a sua Eugènie e o fato dela se encantar pelo o que é proibido. Quero acompanhá-la através dessas proibições. rs
Ótimo texto, viu?
Grande beijo.

Etoile - Duda disse...

Robs, texto perfeito. Adorei a Eugenie e acho que me identifico um pouquinho - pouquinho só viu? - com ela. Continue talentosa assim!!!
Amo tu, marida contratual.

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