Um desafio para Charlotte

Tanto tempo havia se passado que mal se lembrava de todos os acontecimentos de sua vasta existência. 
Não, estava mentindo. Séculos passavam pela sua mente em fração de segundos e ela mentiria descaradamente se dissesse não lembrar de nada. Coisas ficavam adormecidas, mas nunca esquecidas, bastava uma fagulha pra incendiar pensamentos. Assim ela caminhava noite a dentro, pensando e repensando fatos que teimavam em rondar sua mente secular. Inacreditável como ainda era encarada com admiração e medo por todos que cruzavam seu caminho. Isso porque há muitos e muitos anos as pessoas não falavam sobre coisas do tipo que ela era, então mal notavam.  Com uma beleza enlouquecedora e olhos mais negros que a noite, ela caminhava absorta e digamos até desatenta com tudo à sua volta. Captando apenas alguns olhares furtivos enquanto ela passava.

- Vontade de saltar até a torre mais alta e escura e observar as estrelas de uma forma que só os antigos sabiam. (dizia ela a si mesmo) - Mas na falta de torres de observação, fico por aqui mesmo. (diz já puxando uma cadeira numa mesa num conhecido Bistrot que ala frequentava, onde o garçom vendo-a, já vinha trazendo uma taça de vinho tinto).  - Merci.

Toma um gole do vinho, voltando aos seus devaneios. Felizmente, a vida se assim  pode dizer, sempre lhe fora generosa e sua falta de decoro em alguns negócios nunca fora um problema pra ela, afinal, esse era seu maior trunfo, persuadir pessoas e tomar aquilo que queria pra si.
Sapatos caros, roupas, bolsas, viagens, as melhores bebidas. Todas companheiras inseparáveis durante todo aquele tempo. Casos passageiros, sexo sem compromisso. Sorri ao se lembrar de quantos levara pra cama com uma lábia que só os da sua família possuíam. Homens, mulheres, homens e mulheres que se amontoavam em seu leito se deleitando em prazer e bebida.  Ao amanhecer, alguns jaziam sem vida e outros, poupados, mas com uma mente sem lembranças. Vazio.
Mas o que era isso pra ela? Nada! Desde que ele a deixou, nunca mais foi completa. Seu coração sem vida havia se fechado para sempre e as luzes daquela cidade sempre lhe traziam lembranças.

- Mas que tola estou sendo. *vira os olhos em sinal de desaprovação aos seus próprios pensamentos* 

- Mon amour fatalmente me recriminaria por pensamentos tão tolos e pior, ainda diria que nada como uma boa dose de sexo regado a muito champanhe para dissipar os pensamentos.

- Eu concordo. Sexo e champanhe são combinações perfeitas para uma mente em conflito...

A voz doce e metálica, surgira por de trás dela sem que ao menos ela percebesse tal aproximação. Realmente, estava se tornando uma tola. Uma velha tola e desatenta.  

-  O que pode se tornar ainda mais conflitante, pois nunca se sabe o resultado de tal ato. – Diz virando-se devagar e graciosamente. Mas tamanha é sua surpresa que seus olhos de predador a traem e brilham mais que as estrelas do céu. Em segundos ela o mede, sua pele morena brilhava à luz da lua. Seus olhos castanhos eram de um brilho e de uma força que ela nunca vira igual, ou melhor, só uma vez em séculos. Cabelos negros e levemente compridos, denotavam sinal de displicência e charme. Ele era alto e nem seus sapatos de saltos altos feito sob medida para seus pés, ficavam a altura do estranho a sua frente.

- Explique-se. *diz o homem que sem cerimonias, já puxava uma cadeira para sentar-se*.

- Ora Cavalheiro, não há muito que explicar, as conclusões são obvias como equações matemáticas. 

  Ele arqueia a sobrancelha esperando que ela explicasse melhor. Ela impulsiona um pouco o tronco para frente e diz com a voz calma e melodiosa.

- Simples. Sexo, tal qual a champanhe, seduz e inebria. Para uma mente cheia de dúvidas isso pode ser uma arma e tanto. *ele esboça menção de falar, mas ela o cala com o dedo* - Escute, digamos *falava pausadamente* que tenha sofrido algum dissabor seja ele de qualquer tipo, e convida ao seu leito, mulheres ou uma mulher, para se distrair, achando que seria só mais umas ou uma, que seja, tudo isso regado ao champanhe mais caro e mais gelado que existisse no mundo...
 Ele a olhava atento, sem perder nenhum gesto dela.

-...Então percebe que tudo ali está tão delicioso e perfeito, que seus dissabores se dissiparam por completo, aquela mulher ou aquelas mulheres *sempre dava ênfase no plural* foram tão boas, tão sexy's e tão certas quanto as bolhas do champanhe. E ao amanhecer, você só consegue pensar em como aquela morena de olhos profundos tinha uma bela boca carnuda que fazia coisas que nem sonhava quanto aquela loura, estonteante, se movia como uma sílfide dançando em cima do seu corpo.

Ele a olhava com lábios semicerrados, tentando esboçar alguma reação e quando decide falar, ela novamente o encara dizendo...

- Aí, vai chegar a seguinte conclusão com a tamanha dor de cabeça que o perseguirá durante todo o dia, pelas inúmeras garrafas consumidas durante toda essa orgia: Seus dissabores se foram, mas a combinação de álcool e sexo em excesso são bem mais confusas do que parece e as vezes, mandar matar alguém é bem mais simples. Tenho ou não razão senhor...?

Ele joga a cabeça pra trás gargalhando muito alto enquanto lhe estende a mão para cumprimentá-la.

- Sinceramente Senhora, seus argumentos são dignos de uma sessão em um tribuna, eu só não gostaria de ser o réu. Prometo que vou me lembrar disso na próxima vez que levar pra minha cama, mulheres e garrafas de champanhe. Se bem...* franze o cenho* ... que não me recordo de ter em meu leito mulheres e garrafas, no máximo uma de cada. Devo pensar sobre o assunto? - Von Colt, Gabriel Von Colt.

Gabriel, Gabriel. Ela repetia pra si. Já o tinha visto? Não, ela se lembraria, pois só em um ser no mundo ela tinha visto cabelos tão negros e olhos tão profundos. Seu amado marido, Raphael. E aquele homem, se ela já o tivesse conhecido, com certeza se lembraria.

- Charlotte Simmons.

Ele se endireita na cadeira e leva a mão aos cabelos num gesto de desaprovação. – Perdão pela minha falta de jeito senhora. *levanta-se de repente*. Eu nem fui convidado a me sentar e já fui logo lhe questionando e o pior, sentando-me sem sua permissão. Mas falava com tanta convicção e paixão, que não resisti.

Pela tumba da minha rainha, quem é esse? Chego a salivar e o liquido negro em mim, posso jurar que quis mudar a temperatura.

- Por favor Sr. Von Colt, sente-se e se não for ousadia minha... Beba comigo. Mas devo alerta-lo, desta vez, sem champanhe. Acho que dei argumentos suficientes para provar que as bolhas as vezes nos traem. Concorda?

- Em gênero, número e grau Sra Simmons.

- Charlotte apenas, por favor. *sorri com um aceno leve de cabeça*

- Então, Charlotte apenas, posso pedir mais uma taça de vinho?

Intrigante. Já andara por aquela cidade, milhares de vezes. E nunca tinha visto essa criatura que do nada lhe aparecia na frente. Humano. Sangue corria quente pelas suas veias. Perfume quente e inebriante. Quem borbulhava agora era minha mente e não o champanhe. Mas ele não oferecia risco para mim, eu sim a ele. Ou estaria enganada?

- Até a garrafa...


Desafiando lógicas, as minhas lógicas


Muitas vezes pensamos que, a lei da vida é aprender e seguir adiante, porém posso garantir que muitas vezes desaprendemos. E ouso dizer que não é porque queremos não, mas sim, por uma simples logica: a da sobrevivência.
Quando criança, começamos nos ciclos básicos: come-se, anda-se, fala-se... vamos pra escola e ai começa nossa guerra particular. Aprendemos a lidar com os amigos que ao longo dos anos vamos conhecendo, aprendemos a lidar com a intransigência, com a adversidade e nem sempre, somos bem sucedidos. Algumas das muitas situações que passamos ou vamos fingir que não existiram ou simplesmente, dizer... “Pode melhorar”.
Então, vem o desafio da profissão. Honro quem trabalha com o que ama, tem ferramentas pra isso e não reclama nem um dia sequer que é infeliz. Eu, hoje posso dizer que parte daquilo que eu faço é o que descobri que gosto de fazer. Aprendi a gostar de tudo isso e se assim me for permitido, não quero trocar, ao contrário. Quero bem mais.
Então, ainda lá atrás quando crianças, aprendemos também a amar, como posso me esquecer disso. Amamos pai, mãe, irmãos numa escala crescente de parentes até que tu, se embola todo e tropeça no seu primeiro amor e é ai meu compadre que a gente começa a desaprender algumas coisas.
Por exemplo, você esquece que algumas vezes deve ser mais prudente e não se doar tanto para alguém, esquece que talvez se você se poupasse um pouquinho, parte do que é seu não seria tomado de ti e nunca mais devolvido. Esquece o quanto era chato ser sozinho e percebe que ser dois, é sempre muito melhor. Não se fala mais sozinho, se fala com o outro, o sorvete tem duas colheres e o travesseiro da cama é dividido. Sonhos coloridos adquirem cores e sabores porque não? Você pode ser a fruta de alguém, a flor..sei lá. E então, depois de um tempo, aquele tempero perde o sabor, alguém muda o paladar e as coisas terminam.
Lá vamos nós aprender a ser só novamente e viver em comunidade. Normalmente, esse acaba sendo o mais difícil dos aprendizados porque, fatalmente você vai ficar mais arisco, mais atento eu diria. Não vai sair por ai distribuindo pedaços daquilo que te faz vivo, certo?
A lógica da vida, nascer, crescer, aprender, amar, se decepcionar, voltar a confiar,colorir, sonhar. Desafio todos os dias a minha lógica: ser uma pessoa melhor, ser mais inteligente, escrever mais. Fazer do meu trabalho não só meu sustento, mas algo que me dê prazer extremo. Conhecer pessoas novas, aprender a amar, confiar, doar, receber. Não digo isso dos meus amigos, pra esses, posso andar meio desatenta, mais reclusa, etc. Mas se precisarem, sabem que podem contar. 
Eu me desafio, todos os dias a ser outra pessoa.
Me desafio a conseguir vencer o medo que me tomou e conhecer outras pessoas, mas minha ânsia e medo de falar são tantos que muitas vezes, me pego sendo ingênua e voltando ao passo número 2 da lição reaprender a falar e olha,  esta sempre foi  minha especialidade e talvez meu maior defeito.
Me desafio a deixar que as pessoas me conheçam sem que eu tenha que dizer pra elas quem eu sou.

Desafio, a minha própria logica de viver e me proteger.